Não sei que palavras usariam para descrever a paternidade, mas a minha experiência nos últimos meses enquanto investigadora no domínio do bonding pai - bebé, tem-me levado a ouvir distintos testemunhos sobre o entendimento e vivência desse papel. “Ser pai é uma prova de amor”, foi um dos que ouvi e sobre o qual encontrei inspiração para o que vos escrevo.
A verdade é que quando se fala em criar uma conexão com o bebé nos seus primeiros 1.000 dias, ou seja, desde que este é concebido até aos dois anos de idade, poder-se-á falar, efetivamente, do quanto assumir a paternidade se assemelha a provar que se ama. Afinal, não serem vocês quem gera o bebé durante 9 meses e, posteriormente, o amamenta, leva a que a conexão que constroem com o mesmo surja de forma distinta da da mãe: enquanto o corpo da mulher está biologicamente programado para facilitar essa conexão, o vosso não passa por esses mesmos processos hormonais, pelo que, em grande parte, a conexão surge da intencionalidade que trazem para a relação.
E porque é que é tão importante que sejam intencionais em estabelecer uma relação com os vossos bebés?
De acordo com a UNICEF, a primeira infância, período compreendido entre 0 e os 6 anos de idade, é considerada uma janela de oportunidades crucial para a saúde, aprendizagem, desenvolvimento e bem-estar social e emocional das crianças. O que acontece nesses primeiros anos de vida, particularmente nos primeiros 1.000 dias, período que vai desde a conceção até os 2 anos de idade, elabora o fundamento sobre o qual todas as aprendizagens feitas pela criança ao longo da vida irão se sustentar. Para que essa base se construa com segurança e solidez a criança precisa de pais presentes, comprometidos em cuidar e nutrir, tanto as suas necessidades físicas como as emocionais. Promover o desenvolvimento saudável é um chamado à cooperação entre homem e mulher, havendo benefícios múltiplos nesse trabalho de equipa, onde cada um tem algo distinto a acrescentar.
Sendo este artigo a propósito do Dia do Pai, deixarei que a mensagem se concentre em vocês, homens, desejando que vos sirva de encorajamento e orando para que vistam a camisola da paternidade com toda a honra e garra que esta merece.
Aos pais que aguardam por ter o bebé nos vossos braços.
O período da gestação pode ser meio irreal para vocês, mas saibam que, desde já, podem conectar-se com o bebé. Não precisam de esperar até ele “vir ao mundo”, pois ele já “está no mundo” e, ainda que não o possam ter nos vossos braços, já o poderão sentir a movimentar-se, ele já consegue ouvir e distinguir a vossa voz… Alguns estudos referem que nem sempre é fácil começar a construir a relação no período gestacional por ainda não terem o bebé, efetivamente convosco. Quase que como afirma o ditado: estando o bebé “longe da vista” acaba por ainda se manter “longe do coração”.
A par dessa questão, é também possível que enfrentem sentimentos de inadequação em relação ao vosso papel de cuidadores ou que vejam crescer o peso da responsabilidade de quererem cuidar da família sabendo que os encargos (a todos os níveis) estão a aumentar. É esse peso que muitas vezes vos empurra para um distanciamento, tanto físico como emocional nem sempre consciente ou intencional… não existe nada de errado no desejo de querer prover e assegurar o melhor para a vossa família, mas não permitam que seja à custa de se tornarem distantes dela.
Se estes são pensamentos que ocupam vossa mente, saibam que não são os únicos, mas atentem para aquilo que a maioria dos pais não tem: a vossa fé!
Podemos ler no Salmo 127, versículos 1 e 2 que “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela. Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes; aos seus amados ele o dá enquanto dormem.”
Se há algo que me parece digno de destacar é a importância de exercitarem a vossa fé ao mesmo tempo que dão passos práticos e concretos na imersão da paternidade. Por um lado, lembrem-se que antes de serem pais, vocês são filhos e que o sucesso de tudo que edificarem não vem de vocês, mas do vosso Pai Celeste! É por meio dEle que a casa é edificada e guardada, Deus provê para os seus amados! Que estas promessas vos encorajem e se façam mais audíveis que os receios que possam atravessar o vosso pensamento. Por outro, busquem estar presentes: indo às consultas e ecografias, na preparação do quarto, do enxoval, ou em qualquer outra atividade ou rotina que vos permita tomar parte do quão real é a experiência que estão e estarão a viver, estes podem os primeiros passos na construção da relação com o bebé.
Aos pais que já se encontram com o bebé nos braços.
Não esqueçam que é exatamente nesse lugar que os devem colocar… no vosso abraço! Quando se fala em conexão, é essencial que mente, corpo e coração estejam presentes no processo. Deem colo, permitam que o bebé fique junto a vocês (pele com pele se possível!), que ele ouça as batidas do vosso coração, escute a vossa voz, sinta o vosso cheiro e vice-versa: olhem no olho e deixem-se cativar pelo olhar deles, pelos seus sorrisos, pelo cheirinho que deles emana.
Num mundo tão acelerado como o que vivemos, em meio ao conciliar de distintas responsabilidades (profissionais, familiares, pessoais, etc.) importa não descurar que é por meio dos sentidos que a relação é estabelecida, facilitando a criação de conexões neurológicas no cérebro do bebé, tão essenciais ao seu bom desenvolvimento!
Como fazer isso?
- Compartilhar a prestação dos cuidados básicos apresenta-se como um caminho muito produtivo para que isso ocorra. Não só será uma mais-valia por alivar a sobrecarga que a mãe poderá ter com essas tarefas (levando a uma maior qualidade na prestação dos mesmos e da resposta afetiva que a mãe é capaz de dar ao bebé), como também vos permitirá ter acesso a oportunidades privilegiadas de conexão: trocar a fralda, hora do banho, entre outras, são tarefas que, além de necessárias, permitem que o bebé vos tenha por perto e onde os distintos sentidos se encontram ativados: escutar a vossa voz, sentir o vosso toque cuidadoso, trocar olhares... Já para não falar nos momentos de brincadeira, que se tornam o convite perfeito para abraçar, dar beijinhos e ouvir as gargalhadas do bebé.
- Coloquem-no em posição que vos facilite a conexão auditiva e visual, explorem os brinquedos com ele, mostrem-lhe como os pode explorar ao mesmo tempo que também se deixam levar pelo que o próprio bebé traz para a interação. Se tocam um instrumento, incluam-nos nesse momento! Se alinham nuns passinhos de dança, que ele se torne o vosso parceirinho! Se são mais contemplativos ou dados a atividades mais pacatas como dialogar com ou ler uma história, que assim seja! Se o vosso estilo é mais fazer cócegas e atirar ao alto, também não tem mal nenhum! Tomem partido de quem vocês são, do que gostam e vos dá prazer e vejam como isso poderá ajudar a que se conectem com fluidez e leveza com o vosso bebé, relembrando que o brincar é dos momentos onde mais facilmente poderão denotar reciprocidade na relação, onde as manifestações de afeto por parte da criança ficarão cada vez mais evidentes, cativando-vos a se darem ainda mais à relação.
É assim mesmo, a construção é feita passo a passo e, se nos primeiros tempos pode ser bem difícil ter feedback da relação que estão a tentar estabelecer, sigam firmes! Estejam dispostos a dar os primeiros passos e verão como a dança entre vocês o dois se tornará cada vez mais harmoniosa!
Mas… falemos também dos contratempos, de todas as vezes que mais parece que estão fora de ritmo ou de que a música, de repente, já não combina com o passo que estavam a realizar… A verdade é que nem sempre os momentos são harmoniosos. Pode até acontecer que existam fases onde “harmonia” soe mais a uma miragem do que à realidade vivenciada.
Os desafios fazem parte e podem ser tantos! O bebé que chora muito, que não come bem, que sofre com as cólicas ou fica mais desorganizado devido aos picos de crescimento, que tem más noites de sono, que parece ser mais passivo e, por isso, trazer maiores barreias à interação… os cenários são múltiplos e, a par dos mesmos, surgem os vossos próprios desafios também: o cansaço do trabalho, das noites mal dormidas, o stress que o choro do bebé provoca e as distintas reações internas que desencadeia, para nomear alguns.
Pois é, combinando tudo isto, é possível identificar muitas receitas para o desastre, mas é também em meio a tudo isso, que o amor melhor se evidencia. Afinal, ser pai é uma prova de amor porque implica estar disposto a amar primeiro, exatamente como Deus fez connosco:
“Assim, nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. (…) Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (1 João 4.10;19).
Esta verdade precisa estar enraizada em vossa mente e coração, pois ela se tornará combustível em meio à montanha-russa que possam viver: porque foram amados, vocês estão capacitados a amar, lembrando que “o amor é paciente e bondoso (…) não procura seus interesses (…) tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (1 Coríntios 13:4-7)
Por mais desafiante que possa ser não ver logo retorno, nem os frutos imediatos do que se encontram a semear, invistam nos primeiros anos.
Vocês, pais, são a porta dos vossos filhos para o mundo que os rodeia. Se querem que eles cheguem longe, comprometam-se em, primeiramente, os trazer para bem perto. Não só o vosso bebé beneficiará da vossa presença, como “todo o mundo” também.
Por Marta Cleto.
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